A Função Social da Propriedade, consagrada como princípio constitucional nas Constituições Federais de 1967 e 1988, não é fruto de um pensamento jusfilosófico recente, mas sim resultado de uma longa trajetória filosófica e histórica que teve início muito antes do século XX. Este trabalho tem como objetivo analisar como o Iluminismo influenciou a construção da ideia de Função Social da Propriedade, tendo como ponto de partida a compreensão de que a história do pensamento jurídico é essencial para entender os princípios vigentes na atualidade. Adotando uma abordagem qualitativa, com método indutivo e revisão bibliográfica de obras filosóficas, Constituições, doutrinas e artigos jurídicos e científicos, o estudo parte da investigação da concepção de propriedade nas sociedades anteriores ao Iluminismo, onde prevalecia a ideia de que a propriedade era um direito absoluto e vinculado ao direito divino dos reis. A crítica Iluminista, especialmente pelas obras de John Locke, defendendo a propriedade como resultado do trabalho humano, e Jean-Jacques Rousseau, que defendeu a tese de que a propriedade deveria ser voltada ao interesse coletivo, foram cruciais ao proporem essa ruptura de concepção patrimonialista vigente na época. Ainda que o Iluminismo não tenha constituído, por si só, a Função Social da Propriedade como um princípio jurídico, seus ideais estabeleceram as bases filosóficas que permitiram evoluções posteriores. A análise percorre também pela profunda contradição da aplicação prática desses ideais com a "idealizada" filosofia Iluminista. Apesar de seus valores universais de liberdade, igualdade e fraternidade, o Iluminismo falhou ao aplicar de forma coerente esses princípios na sociedade. Ainda que alguns iluministas tenham sido críticos da escravidão, como Condorcet e Rousseau, esse debate foi relativizado na época, permitindo a coexistência entre ideais de liberdade e as práticas coloniais. Um exemplo dessa contradição foi o Code Noir, documento normativo que codificava e regulava a escravidão nas colônias, representando uma monstruosidade legal ao tentar conciliar "escravidão" com "direito" - em um mesmo contexto, os termos se anulam, por representarem significados opostos. O trabalho destaca a contribuição de Leon Duguit, jurista francês que no início do século XX, sistematizou a teoria da Função Social da Propriedade como uma obrigação jurídica voltada ao bem coletivo, distanciando ainda mais essa dicotomia entre Direito Privado e Direito Público e legitimando a intervenção estatal na posse de propriedade do indivíduo, desde que tenha como objetivo, atender ao interesse coletivo. Por fim, examina-se a evolução do direito de propriedade nas Constituições Brasileiras, partindo da primeira Constituição até a atual. Observa-se que em 1824, o direito de propriedade era garantido em sua plenitude, não havendo qualquer aparição da palavra "função social" ou de seu conceito. A Constituição de 1891 - que foi a primeira Constituição após o Brasil Império - não contrapôs de forma alguma esse entendimento, mantendo quase que de forma integral como seria regido este direito. A Constituição de 1934 foi a primeira que evoluiu este conceito, ampliando a forma que a propriedade deveria ser exercida, que desta vez deveria estar voltada ao interesse social ou coletivo. A Magna Carta de 1946 recebe a característica de ter sido a primeira a implementar a necessidade da propriedade estar vinculada ao bem-estar social. Já na Constituição de 1967, a partir da Emenda Constituição nº 01/69, a Função Social da Propriedade é finalmente consagrada como um princípio, que foi resguardado na atual Constituição vigente, de 1988. Por fim, como resultado, conclui-se que a Função Social da Propriedade, embora juridicamente consolidada apenas na Idade Contemporânea, possui raízes filosóficas, transpassada por várias Eras Histórias, com uma longa trajetória de reflexões, rupturas e refinamentos conceituais, nas quais o Iluminismo teve um papel fundamental, ainda que indireto e com suas contradições.
Esta publicação expõe uma parte considerável do que é feito anualmente em pesquisa na UNIVALI e por meio da qual esperamos compartilhar os conhecimentos aqui produzidos, possibilitando a comunicação entre os pesquisadores de nossa e de outras instituições.