O presente trabalho tem como objetivo analisar os impactos da transição do sistema feudal para o capitalismo sobre a vida das mulheres, a partir da leitura do primeiro capítulo da obra Calibã e a Bruxa, de Silvia Federici, em diálogo com autoras clássicas e contemporâneas dos estudos de gênero e trabalho. No feudalismo, os servos dispunham de certos acordos consuetudinários e de acesso a terras comunais, o que assegurava formas de subsistência e autonomia relativa em meio às obrigações impostas pelo senhor feudal. As mulheres, nesse contexto, desempenharam papéis fundamentais na vida coletiva, pois além do trabalho doméstico e da criação dos filhos, participaram do cultivo da terra, da produção e da reprodução social, de modo que sua atuação era reconhecida como central para a manutenção da comunidade servil. Contudo, a transição para o capitalismo desarticulou essas formas de solidariedade, restringiu a autonomia das mulheres e instituiu novos mecanismos de subordinação, sobretudo pelo controle da sexualidade e pela repressão de seus saberes, como o conhecimento das ervas e práticas ligadas à saúde e à reprodução. A igreja e o Estado tiveram papel decisivo nesse processo, transformando a sexualidade em questão estatal e moral, reprimindo práticas não reprodutivas e impondo normas rígidas à vida íntima das mulheres. Nesse contexto, o problema que orienta esta pesquisa consiste em compreender de que maneira a reorganização do trabalho e da vida comunitária durante a transição ao capitalismo implicou a construção de estruturas de dominação de gênero. Parte-se da hipótese de que a imposição de uma nova ordem econômica e social promoveu a desvalorização e o isolamento das mulheres, transformando sua participação coletiva em uma experiência de subordinação individualizada e legitimada pelo discurso religioso e estatal. O objetivo geral é examinar como a transição do feudalismo para o capitalismo redefiniu a divisão sexual do trabalho, transformando-a em um mecanismo estruturante da subordinação feminina, enquanto os objetivos específicos consistem em: (i) descrever as condições de vida e trabalho de servos e mulheres no sistema feudal; (ii) identificar as mudanças ocorridas na organização social e no controle da sexualidade feminina na transição ao capitalismo; e (iii) discutir a relevância do pensamento de Federici em diálogo com autoras como Simone de Beauvoir, que problematiza a naturalização da condição feminina e evidencia a divisão sexual do trabalho como ferramenta de subordinação das mulheres; Joan Scott, que estabelece o gênero como categoria de análise histórica; Judith Butler, que tensiona a normatividade das identidades sexuais; Kimberlé Crenshaw, Angela Davis e bell hooks, que ampliam a discussão ao evidenciar as interseccionalidades de gênero, raça e classe; e Claire Pearce, que contribui com a noção de feminização da pobreza como desdobramento das desigualdades estruturais. Trata-se de uma pesquisa de caráter dedutivo,fundamentada em revisão bibliográfica, com ênfase em obras clássicas e críticas que analisam a constituição histórica da desigualdade de gênero e suas implicações na estrutura social. Espera-se como resultado a identificação das continuidades e rupturas no papel social das mulheres entre o feudalismo e o capitalismo, bem como a problematização do modo como a modernidade capitalista instituiu mecanismos de controle sobre a reprodução social e a sexualidade feminina. A reflexão final aponta que a opressão de gênero não é um dado natural, mas uma construção histórica intrinsecamente vinculada à formação do capitalismo, cujo entendimento crítico contribui para pensar os desafios contemporâneos da luta por igualdade e justiça social.
Esta publicação expõe uma parte considerável do que é feito anualmente em pesquisa na UNIVALI e por meio da qual esperamos compartilhar os conhecimentos aqui produzidos, possibilitando a comunicação entre os pesquisadores de nossa e de outras instituições.