Consequências longitudinais da adversidade precoce sugerem diferenças individuais na vulnerabilidade e diferenças neurobiológicas na resposta aos ambientes sociais, desempenhando papel importante na forma como os indivíduos respondem a ambientes sociais estressantes. Dada à exposição aguda e crônica aos eventos estressores no decorrer do desenvolvimento, o cérebro passa a perceber as situações como ameaçadoras, aumentando a atividade de hormônios como o cortisol e a adrenalina, que afetam o funcionamento do sistema imunológico intestinal. O trauma psicológico prejudica o tálamo e o córtex pré-frontal dorsolateral, áreas responsáveis por distinguir entre estímulos relevantes e irrelevantes, com decorrências na concentração, atenção e na percepção temporal. O indivíduo traumatizado revive o evento sem distinguir entre passado, presente e futuro, com maior suscetibilidade a transtornos mentais comuns como depressão, ansiedade e transtorno de estresse pós-traumático. O objetivo deste trabalho foi mapear, por meio de revisão de escopo, a prevalência de eventos traumáticos na infância e a associação com desfechos clínicos nas Doenças Inflamatórias Intestinais. As bases de dados utilizadas foram Medline/PubMed, Lilacs/Scielo e PsycINFO/APA, por meio dos descritores (Inflammatory Bowel Diseases) AND (Childhood trauma); (Inflammatory Bowel Diseases) AND (Psychological Traumas); (Inflammatory Bowel Diseases) AND (Adverse Childhood Experiences); (Inflammatory Bowel Diseases) AND (Early Life Stress); Inflammatory Bowel Diseases) AND (Childhood trauma). A análise foi realizada com base no modelo PRISMA 2020. Do total dos 87 artigos selecionados, sete estudos preencheram os critérios, publicados entre 2019 e 2024 no Canadá, França, América do Norte, Europa e Oceania, Austrália e Alemanha. Os estudos eram de natureza quantitativa, predominantemente de coorte prospectivo e transversal, exceto três que se constituíram como estudos longitudinais. A revisão englobou uma amostra de 1.286 pacientes com média de idade de 38,7 a 54,6 anos, predomínio de mulheres (67,9%) e Doença de Crohn. Para a avaliação das experiências traumáticas foram utilizados o Questionário de Trauma na Infância - versão reduzida (CTQ-SF), Questionário de Trauma na Infância (CTQ), Questionário de Experiência de Cuidado e Abuso na Infância (CECA.Q), Questionário de Experiências Emocionais na Família (ELES), Pesquisa de Eventos Traumáticos Infantis (CTES), Lista de Verificação de PTSD para DSM-5 (PCL-5) para levantamento de experiências traumáticas e diagnóstico provisório de TEPT e Lista de Verificação de Eventos de Vida para DSM-5 (LEC-5). Os maus-tratos na infância mais prevalentes em pacientes com DII foram abuso emocional e físico, negligência emocional e física, seguido de abuso sexual. Níveis mais elevados foram associados a níveis mais baixos de resiliência, e estes ao aumento dos sintomas depressivos e ao aumento do risco de suicídio. Evidenciou-se associação significativa com catastrofização da dor, intensidade nos sintomas digestivos e resposta emocional negativa, culminando em maior assistência médica devido à ansiedade com o tratamento e impacto no uso dos serviços de saúde. Pacientes com DII apresentaram pontuações mais altas em sintomas de intrusão, evitação, alterações cognitivas e emocionais negativas, além de maior excitação e reatividade. Pacientes que adotaram coping adaptativo como a busca de soluções e apoio social tiveram melhor adaptação e bem-estar. Já os que utilizaram coping desadaptativo, como evitação e ruminação tiveram maior risco de desenvolver Transtorno de Estresse Pós-Traumático. Evidenciou-se que a ligação entre experiências adversas na infância e DII é complexa e multifacetada, cujos mecanismos envolvem disfunções no eixo intestino-cérebro, desregulação imunológica e alterações na resposta ao estresse, constituindo-se como gatilhos etiológicos para doenças psiquiátricas e psicossomáticas na DII. Destaca-se a importância de intervenções precoces no processamento das experiências adversas na infância, práticas de gestão emocional e modulação da resposta ao estresse, com abordagens terapêuticas integradas que considerem o histórico psicossocial dos pacientes, além de formulação de políticas de saúde mental eficazes e sensíveis a essas demandas.
Esta publicação expõe uma parte considerável do que é feito anualmente em pesquisa na UNIVALI e por meio da qual esperamos compartilhar os conhecimentos aqui produzidos, possibilitando a comunicação entre os pesquisadores de nossa e de outras instituições.